Despertar no Além da Vida

Foi num domingo que acordei me sentindo diferente. Senti um aperto muito forte no coração. Passou rapidamente. Senti-me como que um pouco mais leve. Como todos os dias, procurei meu óculos, mas não conseguia pegá-lo.

Olhei para trás e deitado na minha cama, eu me vi. Isso me assustou. Tentei correr mas não conseguia ir mais do que alguns metros daquele corpo. Notei que estava preso a ele por uns fios escuros. Foi quando minha esposa entra no quarto e nem me notou. Tocou no corpo e carinhosamente chamando para o café da manhã.

De repente ela deu um grito e saiu correndo. Logo chegaram ao quarto meus três filhos e saíram assustados. Eu ouvia de onde estava, Elvira chorando. Não era possível que eu estivesse morto. Morrer no meu entendimento é apagar e pronto. Nunca acreditei em nada que não fosse registrável pelos meus sentidos.

Fecharam a porta do quarto e fiquei ali por horas. Estava apavorado, mas ainda não conseguia entender tudo aquilo. Como fuga, imaginei que estava vivendo um pesadelo, mas que logo acordaria. Voltei para cama e fechei os olhos para dormir e assim apreçar meu despertar.

A idéia de ter morrido esta fora de cogitações. Fiquei entretido e assustado com tudo aquilo quando vi entrar no quarto dois homens troncudos. Colocara-me numa maca, já que eu teimava em não me afastar do corpo, coisa que mesmo que quisesse não conseguiria por mais de 3 metros devido aos cordões que me prendiam a ele.

Daí para diante tudo se complicou. Segui num carro fúnebre. O corpo também começou a me assustar devido à palidez e um cheiro ligeiramente enjoativo que emanava. Porém, não podia fazer nada. Daí em seguida foi todo aquele ritual de exposição do cadáver e o enterro que se seguiu. Eu ainda insistia em meio a momentos de lucidez e desequilíbrio que estava apenas dormindo. Mas não foi por muito tempo.  Fui arrastado com o corpo para o fundo de uma cova e a terra caia sobre mim.

Foi terrível e enlouquecedor, pois gritava e ninguém se dava conta. Seres estranhos giravam em minha volta, e pareciam divertir-se com minha aflição. Os fios os quais me referi, esticavam sempre que queria me afastar, mas, inevitavelmente me faziam voltar a cova.

Fiquei ali por anos suportando o fim das minhas vísceras. Às vezes vinha à superfície, mas logo voltava assustado com as entidades que estavam por ali. Eram sofredores que para passar o tempo e esconderem-se de suas aflições, partiam para delinqüência agredindo os recém chegados ou assustando pessoas que tivessem alguma percepção mediúnica.

Só consegui escapar quando os vermes tinham me devorado por inteiro. Cheirava a podre.  Foi ai que consegui voltar para aquela que tinha sido minha casa outrora. Lá não achei vestígios dos meus entes queridos. Haviam outras pessoas morando. Nunca me senti tão só. Temi por enlouquecer.

Mais alguns anos se passaram, em que fiquei vagando desesperado pelas ruas. Sentia fome e frio. Tinha medo dos outros espíritos que eu encontrava. Pela primeira vez então me lembrei de fazer uma prece, daquelas que se aprende em casa. Era um Pai Nosso. Orei meditando em cada uma das palavras. Perdia-me e tinha que voltar ao começo. Foi difícil devido ao meu estado e o pavor que tomava conta de mim.

Senti então uma mão tocar-me, era uma jovem de rosto que me pareceu muito familiar.  Convidou-me para ir com ela. Sem muito pensar e atraído pelo seu magnetismo a segui. Iniciou-se então uma nova etapa na minha triste vida de espírito. Fiquei sabendo que estava nesta condição a mais de 100 anos embora tenha me parecido uma eternidade.

Hoje, sem nunca ter encontrado nem um parente ou pessoa conhecida, preparo-me em uma instituição para réprobos como eu, para uma nova encarnação.

Relato resumido do livro “Além da Vida” de Glaser/Rubens


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